Simões Pereira recusa legislativas antecipadas

 


O líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, diz que as únicas eleições que devem ter lugar em 2024 são as presidenciais. E apela a organizações como a UE ou a CPLP para falarem com o Presidente da República.


Domingos Simões Pereira, o presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, diz que as únicas eleições que se deveriam realizar este ano no país são as presidenciais.


"A Assembleia Nacional Popular não está dissolvida. Se esses órgãos são eleitos por um período de quatro anos, nós estamos preparados para ter eleições [legislativas] em 2027 e não em 2024. Este ano, devemos ter eleições, sim, mas eleições presidenciais", disse Simões Pereira numa entrevista exclusiva à DW África, em Lisboa.


O também líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) mostra-se ainda aberto a criar "sinergias" com outras forças políticas que queiram contribuir para a estabilidade política no país. E pede a instituições como a União Europeia ou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que exerçam influência junto do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, para repor a normalidade institucional na Guiné-Bissau.


DW África: Está muitas vezes fora da Guiné-Bissau certamente devido à situação política no país, onde têm sido impedidas manifestações de rua do PAIGC. É isso que explica os encontros com a comunidade guineense radicada no exterior e as manifestações em Lisboa? Considera que a batalha para demover o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, deve ser feita a partir do exterior?


Domingos Simões Pereira (DSP): Não, absolutamente não. Penso que a política guineense tem de se [ser feita] na Guiné-Bissau. Eu acredito que as instituições, tanto políticas como da sociedade civil, se estão a mobilizar, vão retemperando as suas forças e vão definindo novas estratégias de luta conforme as circunstâncias. Agora, o conhecimento que a comunidade internacional tem ou deixa de ter em relação à realidade conta. A mobilização da nossa diáspora é muito importante. Portanto, somando tudo isso e outras questões que eu já tinha em agenda, foi viabilizada a intenção de passar uma temporada por cá.


Não deixo de reconhecer que o quadro securitário também influenciou essa tomada de decisão, que é temporária. Eu espero que brevemente possa não só regressar, como também retomar a plenitude das minhas responsabilidades e competências.


DW África: Mas teme que a sua vida esteja em risco depois daqueles acontecimentos que se registaram no país?


DSP: Eu já afirmei e volto a reiterar que não acredito que haja algum cidadão guineense que, em algum momento, não sinta a sua vida em risco. E quando digo nenhum, estou a referir-me a nenhum, absolutamente. Porque criou-se um quadro de violência global, em que os cidadãos sentem que é das autoridades que têm a vocação e deviam assumir a responsabilidade da sua segurança que vem a primeira agressão.


DW África: Está a desenvolver vários contactos políticos fora do país, depois dos acontecimentos que levaram à dissolução do Parlamento pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló. Já esteve no Parlamento Europeu e acaba de vir da reunião da Internacional Socialista em Espanha. O que se pode esperar destas instituições no sentido da reposição da legalidade na Guiné-Bissau?


DSP: Antes de mais é preciso dizer que nós mantemos a nossa avaliação de que houve, sim, um decreto que pretendeu a dissolução do Parlamento, mas o Parlamento da Guiné-Bissau não está dissolvido. Porque para o Parlamento estar dissolvido, essa disposição teria de conformar-se com a Constituição da República, o que não é o caso.


Agora, nós reconhecemos que não estamos sozinhos no mundo, temos parceiros. Eu, enquanto Presidente da Assembleia Nacional Popular - até prova em contrário, a segunda figura política do país - tenho a obrigação de partilhar com os nossos parceiros qual é a realidade que se vive na Guiné-Bissau, ajudá-los a compreender [a situação], para que possam exercer a influência possível no quadro do reforço das instituições democráticas.


Não se espera que essas organizações internacionais substituam as entidades políticas nacionais. Espera-se que, no quadro da cooperação existente entre essas entidades, possam exercer a sua influência no sentido da reposição da normalidade.


Eu quero aproveitar a questão para dar dois exemplos que eu penso que são bastante ilustrativos dessa realidade. O maior parceiro da Guiné-Bissau e da própria CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] é a União Europeia: parceiro económico, parceiro financeiro; é um parceiro estratégico muito importante. E o conhecimento que as entidades europeias têm em relação à realidade guineense acaba tendo uma influência muito grande. Porque, por exemplo, agora alguém voltou a falar da necessidade de realização de eleições legislativas. Mas a questão é: vamos realizar eleições legislativas para resolver o quê? Para esclarecer que parte dessa confusão?


Nós estamos a sair de eleições legislativas, em junho de 2023. A Assembleia Nacional Popular estava regularmente constituída, a funcionar com absoluta normalidade. Vamos voltar a realizar eleições e vamos pedir às mesmas entidades, neste caso a União Europeia, para, como parceiro da Guiné-Bissau, financiar novas eleições, meses depois da última eleição, para não resolver nenhum problema?


DW África: Portanto, o PAIGC rejeita categoricamente a ideia de marcação de novas eleições legislativas pelo Presidente Sissoco Embaló?


DSP: A nossa posição é decorrente da nossa interpretação de que a Assembleia Nacional Popular não está dissolvida. E se esses órgãos são eleitos por um período de quatro anos, nós estamos preparados para ter eleições [legislativas] em 2027 e não em 2024.


Este ano, devemos ter eleições, sim, mas eleições presidenciais, porque o atual Presidente tomou posse em fevereiro de 2020 para um mandato de cinco anos, o que significa que o seu mandato chega ao fim em fevereiro de 2025. E como a Constituição dita que o último dia do seu mandato deve ser o dia de empossamento do novo Presidente eleito, decorre daí a nossa expetativa de que as próximas eleições presidenciais sejam marcadas, o mais tardar, para outubro de 2024.


DW África: Qual a posição do Parlamento Europeu e da União Europeia? Os parlamentares ter-se-ão pronunciado a propósito?


DSP: Todos, unanimemente. Eu penso que os próprios têm feito essas declarações públicas, de serem parceiros da Guiné-Bissau, para nos apoiar a consolidar as instituições democráticas. 


Todos reconhecem que a Assembleia Nacional Popular continua a ser um órgão válido, existente, credível, legitimado nas suas competências, incluindo o próprio presidente da Assembleia Nacional Popular. Isso foi reafirmado pelo Parlamento Europeu na reunião da União Interparlamentar, em Luanda, que teve lugar recentemente.


Nas reuniões da Internacional Socialista, que são presididas pelo chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, essa reafirmação foi feita de forma inequívoca. Infelizmente, nos nossos países que ainda têm esse quadro de instabilidade há a tendência de receber isso quase como uma afronta, neste caso, ao Presidente da República, como uma afronta ao regime instalado.


Não, não é o caso. O que todos os parceiros nos querem dizer é que, para haver um quadro de cooperação, é preciso normalidade institucional. E a normalidade avalia-se em função do cumprimento das normas constitucionais.


DW África: Os partidos MADEM-G15, o PRS e a APU-PDGB estão a mobilizar-se para "salvar a democracia", porque entendem que o clima de tensão está a aumentar. Acha que esta frente única seria uma via para a estabilidade? O PAIGC alinharia nessa estratégia?


DSP: Nós saudamos esse sinal de vivacidade dos partidos, porque a democracia vive desse dinamismo. Nós respeitamos a opinião desses partidos, mas é óbvio que reservamos a nós próprios a avaliação de propostas concretas. Nós precisamos [de as] conhecer, porque o que conhecemos até agora é [apenas] o enunciado de um determinado propósito, que eu penso que todos reconhecerão como coincidente com aquilo que sistematicamente o PAI - Terra Ranka denunciou e pelo qual lutou.


Portanto, se isso quer dizer que os partidos subscrevem essa posição, se estamos alinhados nesses princípios, não há contradição nenhuma em criarmos sinergias nesse sentido.


DW África: Alguns analistas afirmam que Umaro Sissoco Embaló está a sentir-se encurralado. Tem a mesma opinião?


DSP: Eu não vou falar disso hoje. Ontem (27.02) completaram-se quatro anos desde que Umaro Sissoco Embaló assumiu a Presidência da Guiné-Bissau. Estamos numa contagem decrescente para o fim do seu mandato. Nós exigimos desde sempre a reposição da normalidade. Não o conseguimos da forma como pretendíamos que acontecesse. Esperamos que, pelo menos agora, se respeite o fim do mandato, a fixação das eleições, a convocação dessas eleições num quadro de normalidade.


Nós não queremos que qualquer afirmação nossa ou de outra entidade possa servir de pretexto para voltarmos a adiar e comprometer um calendário mais do que estabelecido. O Presidente da República iniciou o mandato no dia 27 de fevereiro, e todo o guineense tem presente que, no dia 27 de fevereiro de 2025, devemos conhecer o novo Presidente da República.


DW África: Como reage às últimas declarações do Presidente da República acusando os órgãos da comunicação social de estarem a fazer o papel da oposição e as ameaças aos ativistas, sobretudo os da diáspora, que comentam sobre a situação política na Guiné-Bissau?


DSP: Eu tenho evitado comentar as afirmações do Presidente, sobretudo estando fora. Eu, exercendo as funções de presidente da Assembleia Nacional Popular, tenho um quadro institucional estabelecido para dizer aquilo que eu penso.


Agora, essa afirmação é claramente um atentado à liberdade de imprensa, à liberdade de organização. E eu só posso admitir que foi realmente uma afirmação infeliz por parte dele.


DW África: São Tomé Príncipe, que detém a presidência rotativa da CPLP, anunciou recentemente o envio de uma missão de bons ofícios para a Guiné-Bissau. O que se pode esperar de uma missão desta natureza?


DSP: É preciso dizer que, enquanto cidadão[s] lusófono[s], todos nós sentimos algum vazio institucional. Essa afirmação foi muito bem acolhida. Criou expetativas. Criou esperanças. Eu espero que a CPLP não deixe morrer essa oportunidade porque isso traria mais um descrédito; não ajudaria na credibilidade.


Não estou a dar lição nenhuma a ninguém, mas estou a afirmar, enquanto político e cidadão da comunidade de países de língua portuguesa, a nossa esperança de ver a nossa organização mais presente, mais ativa e mais dinâmica no acompanhamento da realidade política nos nossos países.

Por: DW

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