Constitucionalista estranha ninguém ter levado a tribunal dissolução do parlamento guineense


Jorge Bacelar Gouveia demonstra indignação pela total inexistência de um "pedido de fiscalização da constitucionalidade" da dissolução do parlamento e pede "coerência".


O constitucionalista português Jorge Bacelar Gouveia considerou estranho que ninguém tenha levado aos tribunais competentes a questão da dissolução do parlamento da Guiné-Bissau, antes de decorrido o período que estipula a Constituição.


Bacelar Gouveia encontra-se em Bissau, onde interveio esta segunda-feira como orador na conferência internacional “A Justiça e os Desafios Contemporâneos”, que decorre até quarta-feira na capital guineense.



O evento acontece numa altura em que continua a polémica com a decisão presidencial de dissolução, em dezembro, da Assembleia Nacional Popular, antes de decorridos 12 meses das eleições legislativas, como estipula a Constituição.


Em declarações à Lusa, o constitucionalista português disse que aquilo que estranha “é que tendo havido de facto a alegação no que respeita à inconstitucionalidade da dissolução da Assembleia Nacional Popular, a questão não tenha sido levada aos tribunais competentes”.


Como salientou, “num Estado de Direito, quem diz se está certo ou se está errado, quem diz se é inconstitucional ou não é inconstitucional, todos podem dizer, mas quem decide em última instância são os tribunais“.


“A verdade é que até hoje, que eu saiba, não há um processo, e não há um sequer pedido de fiscalização da constitucionalidade do decreto presidencial da dissolução do parlamento”, disse.


Para Bacelar Gouveia, se o argumento for a desconfiança no funcionamento das instituições, “então o país deixa de existir porque a desconfiança é total” e “não pode ser assim”.


“Nós temos que acreditar nas instituições e, sobretudo os atores políticos aqui do país, devem agir, se acham que têm razão, devem procurar recorrer aos mecanismos da Justiça” e não dizer que não querem ir porque já sabem o que vai acontecer.



O constitucionalista defende que “tem que haver também uma certa coerência e se há um entendimento que é inconstitucional ou até que é inexistente, isso deve ser declarado pelos tribunais, é assim que num Estado de Direito as coisas funcionam”.


Bacelar Gouveia lembrou que “num Estado de Direito há separação dos poderes. Os poderes podem agir de uma forma errada, mas quem decide, num Estado de Direito, são os tribunais”, são quem tem “a última palavra, seja sobre atos da Administração Pública, seja sobre atos legislativos, seja atos presidenciais”.


“É assim que eu vejo as coisas e é assim que está na doutrina do Estado de Direito que nós hoje todos reconhecemos que é importante e que na Guiné-Bissau se vem construindo, também, paulatinamente”, acrescentou.


Sobre outro tipo de possíveis ações, considerou que “a intervenção externa tem sempre o risco de suscitar uma intervenção e uma interferência internacional na política interna de um país”.


Como vincou, “as questões constitucionais são sempre mais delicadas porque devem ser as autoridades de um país a decidir e não devem ser as autoridades internacionais, a não ser em casos graves de violação de direitos humanos ou outros casos de gravidade equiparada”.


“Nas questões constitucionais são os órgãos internos da soberania do país que devem decidir e a verdade é que esses tribunais até hoje não disseram nada porque ninguém lhes pediu para dizer o que quer que seja”, afirmou.


Bacelar Gouveia falava à Lusa à margem da conferência que é uma iniciativa conjunta de entidades de vários países lusófonos para partilha de conhecimentos, boas práticas e reforço da cooperação judiciária.


A corrupção, tráfico de droga, crime organizado e o impacto das novas tecnologias na criminalidade são alguns dos temas em discussão, em torno dos desafios e obstáculos dos sistemas de justiça.


Uma reunião para discutir as questões que afetam a justiça à escala global, como salientou a ministra da Justiça e dos Direitos Humanos, Maria do Céu Monteiro, na sessão de boas-vindas.


A sessão foi presidida pelo chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, que defendeu que “o Estado tem que implementar políticas públicas que possam prevenir”.


O Presidente da República afirmou que “os cidadãos esperam que os tribunais façam justiça dentro dos prazos razoáveis” e garantiu que “na Guiné-Bissau o setor da Justiça constitui uma prioridade do Governo”, nomeadamente a aposta “num maior acesso”.


Por: Lusa

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